sexta-feira, junho 16, 2006

Sobre a rotina dos ensaios

É frequente lermos em entrevistas de algumas bandas (estou-me a lembrar de grupos tão diferentes como dEUS, Travis ou Keane) depoimentos que evocam o cansaço e a saturação em estar 24 horas por dia, 7 dias por semana, não sei durante quantos meses, sempre com as mesmas pessoas. Estas confissões, que aparecem de vez a vez mediante alguns lapsos de honestidade, põe um pouco à prova a noção idílica que muitas vezes temos das estrelas do rock que partem em digressão e que se divertem à brava juntos nos copos, com não sei quantas miúdas nos camarins, etc.
De facto, o estar sempre com as mesmas pessoas tem, por vezes, o seu quê de amargo e desesperante. Quantas vezes não damos por nós a pensar em mandar o guitarrista pela janela porque já não o podemos ouvir a dizer a mesma piada ou sair a meio do ensaio por já não suportarmos este ou aquele traço de personalidade de alguém?...
Mas, se é verdade que é preciso uma boa dose de paciência para aturar as mesmas pessoas dia após dia, também é verdade que existe um lado reconfortante em tudo isso. Eu, particularmente, aprecio uma quantidade de rotinas que temos nos murangus. Os ensaios, por exemplo, têm, quase sempre, uma ordem específica, que começa pela clássica ida ao café “Ruca” para uma cervejinha e dois dedos de conversa antes do ensaio (o Luís está sempre a mandar vir com qualquer coisa; o Bruno fala frequentemente de bandas ou cds que ouviu recentemente; o Emídio, dependendo do dia, fala de muitas ou poucas coisas) e acaba com alguém que não deu pelas horas e que já vai chegar atrasado a um qualquer compromisso. O contacto permanente, bem vistas as coisas, tem também os seus frutos.
Ensaiar regularmente, neste sentido, é um pouco como ver, de tempos a tempos os mesmos episódios de uma das séries do “
Blackadder” (que, e perdoem-me os fans do Rowan Atkinson, é infinitamente superior ao “Mr. Bean”): nós já sabemos o Baldrick vai passar todo o episódio a falar de nabos, mas existe sempre a possibilidade de encontrarmos sarcasmos novos ou piadas mais ou menos encobertas durante o visionamento.
Neste sentido, acabar cada ensaio é uma espécie de mal necessário. Em parte – e, sobretudo, se o ensaio foi bom – temos aquele sentimento agridoce que sentimos quando chegamos à parte das legendas finais de um dvd, mas a alternância com outros momentos e pessoas acaba por ser absolutamente necessária, no sentido de conservarmos um mínimo de sanidade mental.
Umas pantufas só são confortáveis quando temos, em oposição, a ideia desconfortável dos
sapatos…

Väsq

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